25 de abril de 2010

CARTA A UMA SENHORITA EM PARIS

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(...)
Você sabe por que vim a sua casa, a sua tranqüila sala festejada de sol.
Tudo parece tão natural, como sempre, que não se sabe a verdade. Você foi a Paris, eu fiquei com o apartamento da Calle Suipacha, elaboramos um simples e satisfatório plano de mútua conveniência, até que setembro traga-a de novo a Buenos Aires e me atire a alguma casa onde talvez (...) Mudei-me na quinta-feira passada, às cinco da tarde, entre névoa e tédio. Fechei tantas malas em minha vida, passei tantas horas preparando bagagens que não levavam a parte nenhuma, que a quinta-feira foi um dia cheio de sombras e correias, porque quando vejo as correias das maletas é como se visse sombras, partes de um látego que me açoita indiretamente, da maneira mais sutil e mais horrível. Precisamente entre o primeiro e o segundo andar, senti que ia vomitar um coelhinho. Nunca lhe contara antes, não acredite que por deslealdade, mas naturalmente a gente não vai ficar explicando a todos que, de quando em quando, vomita um coelhinho. Como isso sempre me tem sucedido estando só, escondia o fato como se escondem tantos detalhes do que acontece (ou a gente faz acontecer) na intimidade total. Não me censure (...)
Quando sinto que vou vomitar um coelhinho, ponho dois dedos na boca como uma pinça aberta, e espero sentir na garganta a penugem morna que sobe como uma efervescência de sal de frutas. Tudo é rápido e higiênico, transcorre em um brevíssimo instante. Tiro os dedos da boca, e neles trago preso pelas orelhas um coelhinho branco. O coelhinho parece contente, é um coelhinho normal e perfeito, só que muito pequeno, pequeno como um coelhinho de chocolate, mas branco e inteiramente um coelhinho. Ponho-o na palma da mão, levanto sua penugem com uma carícia dos dedos, o coelhinho parece satisfeito de haver nascido e bole e esfrega o focinho na minha pele, mexendo-o com essa trituração silenciosa e cosquenta do focinho de um coelhinho contra a pele de uma mão. Procura comer, e então eu (falo de quando isto ocorria em minha casa de campo) o levo comigo à varanda e o ponho no grande vaso onde cresce o trevo que plantei com esse fim. O coelhinho levanta suas orelhas, envolve o trevo novo com um veloz molinete do focinho, e eu sei que posso deixá-lo e ir embora, continuar por algum tempo uma vida não diferente da de tantos que compram seus coelhos nas granjas.

Júlio Córtazar 

De certos escritores não é possível se afastar e Córtazar é um destes que são como tatuagens em minha vida... Amo os seus livros e BESTIÁRIO deve estar na estante de todos... É lindo, supreendente e um exemplo de tudo o que ele escreve, que se segue com "O Jogo da Amarelinha"... Caso alguém se interesse em terminar a leitura é só ler a Carta a uma senhorita em paris ...

23 de abril de 2010

Delírio

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Sentado com uma taça na mão, olho a garrafa que ela me mandou.
Pego-a com carinho, retiro o lacre da boca e ansiosamente vou me preparando para abrí-la.
Nesse momento sinto o seu cheiro doce e espumante e à medida que encho a taça vou embriagando-me com seu perfume voluptuoso.
Admiro-a e a luz artificial de uma noite inesperada reflete pelo vidro de um cálice a vontade do gosto dela em meus lábios... Agora a tenho em minhas mãos e aos poucos, bem devagar, vou criando a coragem de me aproximar de você ou será que é você que se aproxima de mim?
Ao virar-te em meus lábios sento tuas primeiras gotas descer por minha boca, molhando a minha língua e penetrando nas minhas papilas gustativas que gustativamente mostram-me teu gosto.
Nesse êxtase, já não bebia mais o champanhe que me mandaste. A cada gole um pouco mais de ti eu senti em mim... Bebo tuas pernas, teus braços, seios e cabelos, bebo cada milímetro de você e vou-me, aos poucos, me tornando um viciado em teu álcool.
Batizo-me em tua religião ligando-me à divindade de teu sabor e nesse sacramento, teu ser, completamente liquefeito em uma taça de champanhe doce e quente, torna-se a Axis de minha existência.
Percebo então que a garrafa anda meia, mas já é tarde, não consigo parar de te beber, viciei-me. Pego-a com carinho e, em um único movimento rápido e desesperado gozo o teu ultimo gole.
Deitado no sofá sinto os teus passos em mim, desces por meu pescoço e segues o caminho vital de meu corpo miseravelmente humano... Brincas com meu sangue, acaricias meu coração, já deveras embriagado por teu champanhe... Invade-me por completo...
Olho novamente a garrafa na infante ilusão e ainda ter-te ali, mas já estava vazia.
Deito-me sozinho e fico a sentir-te... Você não estava mais na garrafa, mas em cada milímetro meu. Cada célula minha continha agora o teu prazer mais refinado. O teu sacrilégio.
Adormeci.


Com carinho à um Pierrot que hora se transforma em Arlequim...
Um doce Pierrot de minha vida, amigo e amparo, paixão e ternura...
Talvez tudo tenha sido um Delírio, talvez houvesse champanhe demais em teu coração...
Mas assim amamos... devotamente e irracionalmente...
Um doce abraço de Colombina!

22 de abril de 2010

Bem vindos...

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Bom dia Pierrot!
Apresento-me aqui a ti, como jovem moça lírica
que olha em teus tristes olhos e timidamente sorri.
Boa noite Arlequim!
Ofereço-te o meu beijo, sou jovem mulher perdida
entre os mares de meus desejos e a ti lanço uma âncora
para curar os meus arquejos.
Bem vindos à minha farsa,
Bem vindos à minha alma de Colombina
insana, de meretriz do ar.
Qual de vocês amarei?
Qual de vocês me amará?
Talvez fiquemos em empate,
talvez fiquemos sem as partes
que no fundo estamos a buscar.
Afinal o que é o amor, senão eu,
Colombina indecisa,
Viver em busca dos olhos tristes do Pierrot,
Viver em busca dos beijos do Arlequim,
Viver em busca de uma metafísica da vida.