14 de dezembro de 2011

Apneia

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- Quando você vai ter coragem de vir?

- Ainda não sei, acho que só no instante em que eu cair de vez no buraco. Ando visitando ele com frequência, encosto meu pé no fundo, sinto a umidade insalubre em meus dedos, me assusto instantaneamente, nesse momento puxo o pé com rapidez e começo a me debater subindo desengonçadamente pela corda que ainda me sustenta. É tudo muito estranho, me causa medo aquela frieza escura. Não quero ter que chegar lá, acho que posso me manter pendurada nessa corda durante mais algum tempo.

- Mas quanto tempo ela ainda vai resistir a todo esse peso?

- Isso também não sei. Não sei dessas peculiaridades, sei que só me esforço para matê-la inteira. Sempre me agradou aquela ideia de Nietzsche de sobrevivermos na corda bamba de uma vida. Vejo isso tudo como se fosse um quadro circense, há uma platéia gigantesca que quer te ver cair, mas também há alguns poucos, pouquíssimos na verdade, que ficam de braços estendidos querendo te amparar. É tudo, de fato, muito mascarado, enquanto atravesso minha corda tenho que pular, dar piruetas, sorrir, fazer de conta que vou cair enquanto que os outros querem que eu realmente caia... Tenho que atravessar a corda superando expectativas, alcançando objetivos, e sempre, em qualquer instante estar preparada para a queda, pois ela talvez seja inevitável. Imaginar atravessar o abismo salamandreando danças e prazeres dá a fugaz sensação de triscar a perfeição do super-homem, de sorrir sarcásticamente para trás e ver a mediocridade de todos aqueles olhos famintos pelo meu sangue. Mas isso me causa receio, tenho medo de desumanizar minha liberdade com tanta destreza. Tenho medo de assim me perder.

- E se a corda se bifurcar?

- Será que há essa possibilidade? Quando olho para o além não vejo nada além de ilusões embaladas por saudades. Nesse momento tento dançar de joelhos dobrados esticando as mãos sempre para frente na esperança de esbarrar com algum amparo. Mas é em vão. Tudo não passa de um espectro translúcido que construo, de algum modo obscuro, para decorar esses horizontes enegrecidos. É tudo muito complicado ainda.

- Venha me visitar, assim que precisar.

- Mas eu já preciso. De antemão deixo em meus olhos a mensagem de que necessito urgentemente de um abraço. Por favor, repare. Meus braços já não sustentam tantas cabeças, nem mesmo a minha, que diante do espelho não suporta se olhar. Está tudo carregado de insustentáveis atitudes perfeitas que acham que existem, mas que não existem em minha pele. Não quero dar importância a isso, mas também, ando a pensar que talvez seja essa suposta perfeição que me defeitue, porque na medida em que estendo as mãos aos outros, eles me tomam por inteira e se esquecem que partes de mim doem.  Minha carne carrega feridas em aberto e não encontro nada que consiga sanar essa infecção que se alastra como pandemia em minha alma. Todo dia quando acordo vejo o mar e por isso sinto mais saudades.

- De quê?

- Da superfície. Sinto saudades daquele ar juvenil que nada levava a sério. Sinto saudades da impulsividade do meu coração, da inconsequência das minhas atitudes e sinto mais saudades ainda da sensação de que "tá tudo bem". Hoje as coisas não andam, os momentos se estagnam como se fossem eras glaciais. Quando conseguimos degelar alguma coisa o ciclo recomeça desconstruindo todas as costuras em um emaranhado de incertezas.

- Elucubrações apenas.

- Sim, apenas.    

(...)







"O homem é corda distendida entre o animal e o super-homem:
uma corda sobre um abismo;
travessia perigosa, temerário caminhar, perigoso olhar para trás,
perigoso tremer e parar."
Nietzsche - Assim falou Zaratustra
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1 comment

27 de dezembro de 2011 às 19:44

Parece que há decisões para tomar. Cuidado ao pensar que um dia as coisas se resolverão por si só.

Palavras profundas. Senti falta daqui =)